
Até o tempo custava a passar, tarde estranha, céu nem cinza, nem nada, opaco e parado. Ao longe ouviam-se os cães, as crianças, os velhos, um vendedor de alumínios, tudo muito denso.
Ela passava, no mesmo horário de sempre, impecável, perfumada, destoava dos odores que pairavam. Nessa tarde vestia um vestido vermelho de organza, sedução retida e na dose certa. Caminhava de um jeito que os homens, à porta do café, ficavam alvoroçados, e ela sabia. Tanto, que atravessava a rua quando deles chegava perto, gostava e provocava de um modo que eles fariam tudo para ter um olhar dela. Fingia que não sabia, mas adorava.
Ele, muito quieto, sentado à mesa do botequim, bebia sempre a mesma bebida, olhava da mesma maneira. Alguns se atreviam a trocar palavras,mas ele, lacônico, evitava intimidade. Jogava bilhar, sempre na mesma hora; usava camisa apertada definindo músculos, cabelos curtos e barba bem feita, traços bonitos.
Quem era aquele sujeito e de onde ele vinha, ninguém sabia, apenas que trabalhava no cais: e dela, que alugara um quarto na pensão da esquina, três meses atrás.
Quando ela passava, sem olhar para o botequim, ele bebia o último gole, franzia a testa pela acidez e lançava ao balcão o preço da bebida e em movimentos lentos e precisos, saía atrás dela, distância suficiente para não dar margem a desconfianças.
Faziam de propósito, pois todos sabiam para onde iam, e alguns arriscavam seguir, afinal naquele mormaço, melhor era cuidar da vida alheia.
No único hotel do bairro, davam-se amantes por horas, não trocavam palavras só corpos, suores, gemidos e sentidos... Mas naquele dia ele estava diferente, trazia algo no olhar, que não era só desejo...Seguindo o instinto, deu uma, duas, três, muitas estocadas pelo corpo alvo e magro daquela que era o desejo de muitos.
Ela, olhos arregalados, pedia e negava ao mesmo tempo, sangue quente dava-lhe um prazer absurdo e mudo. Estocadas supunham penetração, gemidos de dor e prazer...queria, se desesperava, rompia num grito.
Ele, queria mais e mais, como que buscando o gozo. Sangue, muito sangue...lavando corpos e lençóis, misturando-se com vestido que fora largado no chão.
Hoje ela vive na memória dos homens fétidos do café, e sabe-se que ele ficou por um bom tempo desaparecido.
De volta, senta-se à mesma mesa, no mesmo botequim, bebe a mesma bebida e tem o mesmo olhar.
De volta, senta-se à mesma mesa, no mesmo botequim, bebe a mesma bebida e tem o mesmo olhar.
Fátima N.
gostei muito, pois este teu conto reúne alguns bons elementos que precisam ter as histórias curtas: tem a história oculta, tem um conflito e uma boa dose de estranheza. acho que vc devia convidar pessoas que já escrevem e conhecem as técnicas, a visitar o blog, ler e opinar. não aqueles batidos "gostei" ou "adorei", simplesmente, e sim algum comentário com mais conteúdo.
ResponderExcluirFa...zinha sempre tao meiga nos oerece esse ensaio tao forte... sempre me surpreende!!
ResponderExcluir***
ResponderExcluirsurpreender, é um verbo que me dá frio na barriga - como as borboletas - fico imaginando em que esquina estive para merecer tanto agrado.
Antonio, Mirian, aqui meu coração fica apertado de emoção...não sei onde buscar as palavras certas, e a única forma que tenho para agradecer é com a minha escrita tímida, que cheira a leite ainda.
Beijo vocês com todo meu carinho.